Apresenta de forma simples e objetiva a categorização de indivíduos antes anônimos e, quando confrontado em uma situação de insegurança no ambiente da rua, surge, a identidade como respaldo e diferenciador social. Um artificio cultural, que, para DaMatta, é inerente ao brasileiro, como uma identidade cultural, mesmo que apresente peculiaridades do nosso caráter que preferimos manter ocultas ou utilizar em última instância. Em outras palavras, ensinamos o samba e o futebol, falamos da praia e da mulher brasileira, das nossas informalidades e aberturas (certamente indicadoras de nossa vocação realmente democrática), mas jamais estampamos diante da criança e do estrangeiro o "sabe com quem está falando? A expressão é geralmente empregada em uma relação hierárquica de cima para baixo, o que não impede que indivíduos de classes dominadas também não possam apropriar-se de sua proximidade a uma figura de poder para se beneficiarem em um determinado momento mesmo que pareça pernóstico ou não surta efeito de fato. Portanto o termo não é exclusivo de uma categoria, grupo, classe ou segmento social.
O autor busca analisar o sistema social brasileiro não
apenas pelo prisma econômico, mas observando também a conduta social e política
no intuito de entender as relações criadas e mantidas entre o dominador e o
dominado. O "sabe com quem está falando?”, em contraste com o domínio das
relações impessoais, acaba por ser uma fórmula de uso pessoal, desvinculada de
camadas ou posições economicamente demarcadas. Todos sentem-se no direito de se
utilizar o "sabe com quem está falando?", e mais, sempre haverá
alguém no sistema pronto a recebe-lo (porque é inferior) e pronto a usá-lo
(porque é superior). Portanto é um
instrumento de uma sociedade em que as relações pessoais formam o núcleo
daquilo que chamamos de "moralidade" (ou "esfera moral"), e
tem um enorme peso no jogo vivo do sistema sempre ocupando os espaços que as
leis do Estado e da economia não penetram.
A indagação está ligada
ao inquérito, forma de processamento jurídico acionado quando há suspeita de
crime ou pecado, de modo que a pergunta deve ser evitada. Somos socializados
(na família e na escola) aprendendo a não fazer muitas perguntas. Seja porque
isso é indelicado, seja porque é considerado um traço agressivo que somente
deve ser utilizado quando queremos "derrubar" alguém diante de uma
plateia, onde cada um dos atores oponentes em cena procura convencer o grupo a
tomar o seu partido contra o outro, e o grupo age como mediador e legitimador
entre os dois. O ator é alguém que aparece na cena com uma identidade geral,
não especificada, o que lhe confere o anonimato, mas ninguém imagina quem seja
a pessoa prestes a ser autuada, presa ou colocada sob suspeita. O "sabe
com quem está falando?" como uma forma de trazer à consciência dos atores
aquelas diferenças necessárias às rotinas sociais em situações de intolerável
igualdade. Trata-se de uma violência porque ela denuncia a necessidade da
hierarquização. A violência no mundo brasileiro é mais um instrumento utilizado
quando os outros meios de hierarquizar determinada situação falham
irremediavelmente. Deste modo, pode-se perfeitamente equacionar o "sabe
com quem está falando?" com a violência. A apresentação do documento
apropriado, acompanhado do "sabe com quem está falando?", faz com que
a figura anônima passe a ser um ser humano completo, concreto, com poder e
prestígio, com características que o coloca hierarquicamente acima de seu oponente
e, portanto, protegido em sua posição social.
Este estudo revela que,
no caso brasileiro, os sistemas globais, de caráter universal, são permeados
pelos sistemas de relações pessoais, fato que também tem sido verificado em
outras sociedades semitradicionais, o "sabe com quem está falando?" revela a complexa
convivência de um forte sistema de relações pessoais embaraçado a um sistema
legal, universalmente estabelecido e altamente racional.
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